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Campos dos Goytacazes, Quinta, 25 de Abril de 2024

Lei Complementar 135/2010 - Avanço ou retrocesso na consolidação da democracia?

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Por Rafael Nagime Barros Aguiar


                       Ultrapassadas as discussões e comemorações iniciais oriundas da aprovação e aplicação da Lei Complementar 135/2010, apelidada de “Lei da Ficha Limpa”, é preciso uma reflexão acerca das limitações impostas pela mencionada lei, porém, não mais sob a ótica dos que pretendem se submeter ao crivo das urnas ou sob a inconstitucionalidade da mesma, mas sim com as luzes voltadas para o ator principal das eleições: o cidadão/eleitor.

                        Sob este aspecto, há que se deixar claro que a imposição de novas limitações ao poder de escolha do eleitor com vistas a garantir o pleno exercício da soberania popular por meio do voto é garantida pela Constituição da República em seu artigo 14 § 9.º, assim redigido:

“Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. (Redação dada pela Emenda Constitucional de Revisão nº 4, de 1994)

                        Por essa razão, não se pretende questionar a possibilidade de serem criadas novas limitações ao poder de escolha do eleitor, mas sim discutir-se a efetividade de tais medidas como forma de consolidação da democracia; fim buscado pela LC 135/10 e amplamente alardeado pelos defensores de sua necessidade.

                        Nesse caminho, cumpre ressaltar que a Democracia traz em seu bojo a característica de que o titular do poder é o povo, que, em uma democracia indireta, ou semidieta, o exerce por meio de seus representantes eleitos.

                        Em que pese à existência de outras formas de participação do cidadão – para ficar com exemplos existentes no Brasil: plebiscito, referendo e iniciativa popular – o voto é e sempre será a participação popular por excelência em uma democracia.

                        È justamente neste ponto que reside a pergunta para a qual se procura resposta; qual seja: a Lei Complementar 135/10, ao ampliar sobremaneira as limitações ao poder de escolha do cidadão na hora do exercício do voto, atinge o objetivo de consolidação da democracia?

                        Apesar de parecer simples a resposta, bastando a escolha de um dos lados, o maniqueísmo não trará uma resposta satisfatória para a intrincada equação entre tutela da escolha do eleitor e consolidação da democracia.

                        Primeiramente, é preciso ter em mente que quanto mais consolidada for uma democracia mais desnecessárias serão as limitações ao poder de escolha do cidadão, passando essa consolidação obrigatoriamente pela participação efetiva e interessada do eleitor.

                        Portanto, em um quadro hipotético e desejável de pleno desenvolvimento da democracia, as limitações ao poder de escolha do cidadão tenderão a desaparecer, haja vista que a catarse será realizada pelo eleitor nas urnas, não sendo preciso tutelar suas escolhas na busca de salvaguardar o processo democrático.

                        Por outro lado, uma rápida observação do momento democrático não deixa a menor dúvida de que o Brasil está no início da caminhada democrática, tanto em idade, como em qualidade de participação.

                        Nesse iter, uma retirada ou diminuição significativa das limitações ao poder de escolha do eleitor acarretaria, quase que certamente, o fim da democracia, subjugada pelo abuso de poder e pelas mais diversas formas de ingerência na escolha do cidadão.

                        Diante de tal quadro, a existência de algumas limitações nos dias atuais é não só legitima, como necessária.

                        Assim, tem-se um cenário aparentemente contraditório em relação ao aumento das limitações ao poder de escolha do cidadão implementado pela LC 135/10, pois o recrudescimento afasta o país de uma democracia ideal, mas pode estar garantindo uma democracia possível.

                        È justamente neste ponto que reside o grande risco de se ter uma lei como aclamada forma de consolidação da democracia, o que abre o caminho para a adoção de novas leis com o mesmo intuito, adotando contínuas políticas paliativas que atacam o problema sem atacar sua causa, trilhando um perigoso atalho que fatalmente afastará cada vez mais o cidadão do exercício de seu poder, tutelando mais e mais suas escolhas.

                        Por outro lado, caso a política de limitação e tutela das escolhas, externada pela citada lei complementar, seja tomada como um mal necessário e momentâneo para enfrentar um período de crise na participação democrática, aliada a políticas de educação e aproximação do cidadão do exercício de seu poder de escolha, aí sim estará a mesma trilhando o caminho da esperada consolidação democrática.            

                        Conclui-se, por esses resumidos argumentos, que a Lei Complementar 135/10 poderá ter sido um avanço ou um retrocesso na busca da consolidação da democracia, cabendo à história revelar ser a mesma um tratamento amargo, porém necessário, ou um remédio que matará o paciente com o aumento cíclico de sua dose.

                                   


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