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Campos dos Goytacazes, Sexta, 29 de Março de 2024

Baton na cueca. Tem defesa?

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Por NILSON MACEDO


*Nilson Macedo

 

Após significativa vitória no Tribunal do Júri, amigos entenderam de nos homenagear. Rumamos todos para nosso barraco, em Rio das Ostras. Lá, tirando uma infinidade de bagulhos de dentro dos carros, sentamos para saborear umas geladas.

O assunto da noite, evidentemente, era o meu desempenho perante o Tribunal Popular. As garrafas se amontoando... amontoando, e os olhares e feições se modificando. Uns céticos, outros gargalhavam imitando nossas reações nas vezes em que a Promotoria de Justiça tentava nos apartear, com o fito de embaraçar a defesa que desenvolvíamos.

Eram muitos os elogios que nos julgavam merecedor.  Um casal, entretanto, tratava uma série e contínua discussão. A mulher es esbravejava:

Olha, seu safado, não fosse eu muito religioso, muito temente a Deus nosso Senhor Jesus Cristo, nem sei o que faria com você! Mas... por que você fez isso comigo, seu maldito? Desgraçado... Canalha.... Cachorro...! Qual foi a vagabunda que sujou sua cueca de baton, seu babaca?

A desatinada mulher tentava, ainda, esfregar na cara do esposo a cueca lambuzada, enquanto ele, parecendo querer preservar o ambiente, olhava ora para nós, ora para os outros. A inércia dele, porém, estimulava a fúria da mulher envenenada.

Ele, abatido, apenas esboçou um pálido desejo de explicar o inexplicável baton na cueca. Ela, enfurecendo-se mais ainda, gritava loucamente:

Quem é ela, seu peste? Ela é bonita? Fala. Fala ou eu te mato, seu nojento..., visando a pegar uma garrafa! Ele levantou a cabeça, desesperado e, com súplicas no olhar, disse:

O meu Advogado falará por mim. Faça minha defesa, Dr. Nilson. O Senhor está com a palavra...! Seguiu-se um silêncio sepulcral, todos olhavam para mim. Uns, incrédulos, penalizados ou extasiados por meu tropeço, algumas aproveitavam e beliscavam fininho nas costelas de seus maridos, os olhares, apesar da cervejada, brilhavam e indagavam:

E agora doutor, como vai o senhor sair dessa? E eu não podia, mesmo naquelas circunstâncias, recusar aquela causa. Então, respirei fundo, mirei ao meu redor procurando reflexão..., levantei-me. Devegar... devagarinho... Mesmo cansado, ainda sentia os reflexos do meu bom desempenho, horas antes, junto ao Tribunal do Júri. Iniciei, então, aquela que seria a mais indefensável das defesas, ou seja: defender um cara que chega a casa com a cueca toda suja de baton.

Naquele momento, muito me valeram os ensinamentos dos saudosos Drs. Sebastião Tavares Campista, parceiro bom, notável e aguerrido Tribuno; José Maria Silveira, brilhante e temível Criminalista de larga experiência e lúcida oratória amigo que me proporcionou os primeiros passos na Tribuna do Júri. Senti, também, a força do Dr. Jonas Lopes de Carvalho, cuja eloquência, desarmava até os mais renomados adversários. Mestre dos mestres.

Fonte inspiradora de todos os Criminalistas que se deleitaram com suas atuações. Que Deus os tenha. Munido desse naipe, passei a olhar a todos os presentes como possíveis adversários, ou seja, verdadeiros Promotores de Justiça. Passei, confesso, a sentir até um pouco de ódio daquela mulher, acusadora implacável, cuja raiva, tornava-a uma insana.

Torno público que, ao sentir os desejos de alguns em assistirem minha derrota, cresci, como todo Tribuno que se preza, ante a adversidade. O súbito foi-se. Mirei bem, então naquela desequilibrada e religiosa senhora, nos demais, no teto, como se estivessem em casa estranha, e, para espanto geral, soltei:

Você, meu cliente, é culpado! O arrepio foi geral. Todos ficaram com os olhos e orelhas arreganhados. Sim. Continuei... Você é culpado e tem que pagar pela culpa! Você, desnaturado, tem que fazer sua mulher feliz, a qualquer preço! Mesmo contrariando os Mandamentos do Senhor, nosso Deus!

A mulher acendeu uma interrogação imensa, bem no meio daquela testa feia e suada! E fui...: Pela sua esposa, rapaz, você tem que ignorar os ditames do Criador! Não importa que ele seja Onipresente e esteja ao lado de todos os seus filhos; Onisciente, sabedor de todas as angústias e necessidades de suas criaturas; e Onipotente, podendo realizar os mais diversos desejos de que Ele deu a vida.

Não interessa a você, tampouco, que o pai Celestial seja caridoso e prega a caridade. Não importa a você, seu errado, que o Senhor tenha criado cinco mulheres para cada homem! Que importa a você se todas sejam filhas do Criador e tenham, igualmente, direito ao afeto, à caricia, aos sexo!

Não lhe diz respeito, assim, se elas almejam, ardentemente, amamentar seus próprios bebês e conduzi-los, mais tarde, de mãos dadas, à escola. Desobedeça ao Senhor e pronto! Obedeça somente à sua esposa! Pouco vale, também, para você, se todas elas têm o sagrado direito de ser mãe!

Se o Criador as fez em número bem superior aos de homens, o desejo foi Dele, não seu! Se Ele confere a todas as mulheres, tenha elas homens ou não, o sagrado direito à maternidade, não é seu o problema! A mulher, suava... chorava... arrancava os cabelos! Não resistindo, gritou:

Doutor Nilson, o senhor está com o diabo no corpo?

- Não. De todos aqui, somente a senhora está com o diabo no corpo! A senhora não tem caridade para com o semelhante e desrespeita os Mandamentos do Senhor! A senhora é uma filha desalmada, não tem clemência!

Veja, esse pobre coitado, foi cumprir uma determinação divina e fazer feliz uma filha do Senhor que sofria, clamando por amor, acabou apedrejado por outra filha de Deus, muitíssimo egoísta, sem nenhuma misericórdia!

Percebi, de soslaio, que a mulher, antes enfurecida, estava bem com a mão sobre: perna do meu cliente. Era a Glória... Empolgado mais ainda, fui em frente:

Se o Criador quisesse, realmente, um homem para cada mulher, Ele criaria os pares, não essa proporção desequilibrada de cinco mulheres para cada um homem (essa é uma estatística modestíssima e desatualizada, sendo o IBGE).

Por que, minha senhora, o meu cliente tem que pagar por algo que ele não criou Por quê...? Por quê...? Culpem quem fez a obra! Condenem  ao Senhor, por não esclarecer a essa pobre filha, mas abençoada por ter um marido, qual o critério por Ele utilizado na criação do ser humano, cuja ignorância, tornou essa pobre mulher uma pecadora, capaz de atirar ao mais completo e cruel relento, uma sua irmã, porém desafortunada filha do Senhor!

Essas discriminadas, não têm um marido, um companheiro, alguém que lhes proporcione carinhos, norte nas dificuldades, teto, sexo permitido... pior: não é dado a essas coitadas filhas de Deus, o sagrado direito à gestação invejável, de realizar, assim, o maior e mais sublime de todos os atos humano – gerar uma vida dentro de suas entranhas e sentir seu bebezinho se nutrindo de seus alimentos naturais, a ele indispensáveis!

Somente o demo ou alguém a seu mando – ninguém mais, seria capaz de desejar impedir tamanha proeza divina. Que mal fizeram essas infelizes e abandonadas criaturas, para merecerem tanto desprezo por parte de uma sua irmã, de laços divinos?

Elas só terão mesmo direito às migalhas de amor, assim mesmo vindas de homens cujas esposas sejam realmente tementes e aceitam os Mandamentos do Criador!

Saiba, minha senhora, que Deus nosso Senhor, está testando a sua fidelidade para com Ele. Condenando seu marido, filha desnaturada e egoísta, a senhora estará sepultando os ensinamentos do nosso Deus e consequentemente, pactuados com o Diabo! Muito obrigado!

O silêncio foi quebrado com um doce barulho de beijo....Você, leitor condenaria ou absolveria o réu?

 

E-mail.: nilsonmacedoadvogado@ig.com.br

Publicado na Coluna Opinião no dia 26/01/2003, jornal A Cidade.


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