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Campos dos Goytacazes, Sexta, 29 de Março de 2024

Qual é a nossa verdade?

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Por Evandro Monteiro de Barros Junior


Por Evandro Monteiro de Barros Junior.
Advogado
 Conciliador e mediador de conflitos.
http://agoravirtual21.blogspot.com.br/
evandroadv2009@hotmail.com

 

Muito já foi discutido nos meios acadêmicos e até mesmo nas rodas de conversas informais sobre o que seria a verdade. Desde os primórdios dos debates humanos, havia sempre em pauta a questão da verdade, tanto para os filósofos, quanto para os sacerdotes, assim como também para os governantes e para os menos abastados de conhecimento acadêmico, aqueles pertencentes à “gleba” [1].

Nas antigas tabernas, onde os cidadãos costumavam se encontrar para beber e sair de suas realidades sofridas do dia a dia, nas feiras das velhas cidades cosmopolitas do antigo mundo, nas grandes festas da política do “panis et circenses” (pão e diversão) já no Império romano, e ao longo de toda a história da humanidade nos grandes centros de encontros populares, pode parecer que não, mas havia e ainda há muito conhecimento e cultura, nos meios de outrora e dos dias do presente, conhecimento empírico, ou seja, derivado de experimento ou de observação da realidade”.

Hoje, a verdade pode ser definida como uma qualificação que “implica o imaginário, a realidade e a ficção, questões centrais tanto em antropologia cultural, artes, filosofia e a própria razão“ [2].

Na antiga Grécia a conceituação filosófica da verdade[3] foi objeto de divergência entre grupos de filósofos distintos, tendo sido também motivo de um grande crescimento no campo do pensamento.

Com a “mudança do sistema político grego da tirania e da oligarquia para a democracia, surgem os sofistas, grupo de filósofos mestres em retórica e oratória, sendo classificados por alguns como filósofos e educadores” [4]. 

Protágoras, pertencente a esse clã, afirmou no início de sua obra sobre a verdade “O homem é a medida de todas as coisas, das que são como são e das que não são como não são[5]”.

Para os Sofistas um exemplo do que seria a expressão da verdade pode ser apresentado por intermédio da seguinte frase: “Tipicamente, em uma discussão na assembleia ninguém detinha a verdade em um sentido completo e absoluto, simplesmente porque isso não seria possível; mas todos tinham suas razões, seus interesses, seus objetivos, procurando defendê-los da melhor forma possível” [6].

Podemos dizer então que, segundo Marcondes: “Os sofistas não ensinavam, portanto o caminho para o conhecimento, para a verdade única que resultaria desse conhecimento, mas para a obtenção de uma “verdade consensual”, resultado da persuasão[7]”.

Sócrates, ferrenho opositor aos ideais sofistas, defendia a necessidade de uma verdade única e utilizava o método maiêutico para chegar a essa verdade.

“Sabe-se que Sócrates não deixou legado escrito para a humanidade, tendo em vista que valorizava, sobretudo, o debate e o ensinamento ministrado oralmente, de maneira que, conhecemos suas ideias através de Platão que foi seu principal discípulo” [8].

O método aplicado por Sócrates, conhecido como maiêutica (a arte de fazer o parto) encontra definição clara conforme sustenta Marcondes: “É importante notar que na concepção socrática, essa melhor compreensão só pode ser resultado de um processo de reflexão do próprio indivíduo, que descobrirá, a partir da sua experiência, o sentido daquilo que busca[9]”.

Para Platão, também opositor figadal aos ideais sofistas, a noção de verdade era bastante diferente. Ele certa vez afirmou: “A filosofia não deve apenas dizer e afirmar, mas preocupar-se em chegar à verdade, à certeza, à clareza, através da razão[10]”.

Existem em cada forma de governo ou regime político, suas formas de conceber a verdade. O jornalista nascido em Huambo (Angola), autor do romance O vendedor de passados, expressa no protagonista do enredo de seu livro a seguinte frase: “A grande diferença entre as ditaduras e as democracias está em que no primeiro sistema existe apenas uma verdade imposta pelo poder, ao passo que nos países livres cada pessoa tem o direito de defender a sua própria versão dos acontecimentos. A verdade é uma superstição” [11].

 Já na obra do polêmico autor Morris West, A Estrada Sinuosa, em uma discussão entre o personagem Richard Ashlei, jornalista americano e George Arlequim, este profere as seguintes palavras “A verdade, meu caro Ashlei, é um luxo permitido àqueles que não sofrem as suas consequências” [12].

O mesmo personagem continua a dissertar sobre a verdade afirmando categoricamente: “Para que arriscar a vida e criar um caso de consciência em nome da verdade? Será a verdade justificativa suficiente para arriscar a vida? Será uma revolução mais importante do que uma hora passada na praia com uma bela moça? A verdade? Uma dedicação sagrada, mas um serviço mal agradecido. Justiça? Uma deusa cega cuja balança nunca se equilibra perfeitamente. Orgulho? Ambição? Vaidade? Tudo isso tem importância num homem, mas não se explica” [13].

O conteúdo magnífico de As aventuras de Pinóquio, de Carlo Collodi, brilhantemente produzido como   longa-metragem de animação pelos Estúdios Disney no ano de 1940, reflete o pensamento social ocidental do século XX a respeito desse tema. A punição pela mentira e o perdão ao final da história.

Conversando com pessoas do povo sempre nos deparamos com algumas frases que não sabemos quem criou, mas que estão constantemente presentes em nossas vidas, como: “quem diz a verdade, não merece castigo”, “nem todas as verdades são pra serem ditas”, “a verdade é manca, mas chega sempre a tempo”, entre outras.

É possível concluir, a partir de todo o exposto, que nascemos em um meio repleto de mentiras, mas somos “educados” para sermos “polidos”, ou seja, civilizados, aprendendo que mentir é feio, e quando mentimos somos punidos por nossos pais. Assim, podemos então afirmar que ao contrário das assertivas aqui propostas, vige em nossa sociedade atual a crença de que a verdade é tardia e quase sempre nos falta.

REFERÊNCIAS

1-     Morris West. A Estrada Sinuosa. Editora Record. 1957.

2-     Dicionário Aurélio da Lingua Portuguesa. 5° edição. Editora Positivo. 2010.

3-     http://pt.wikipedia.org/wiki/Verdade.

4-     Grande enciclopédia Larrousse Cultural. Editora Nova Cultural Ltda. 1998.1995.

5-     Evandro Monteiro de Barros Jr. A busca da verdade real nos processos civis (Brasil: 1988-2011). Monografia indicada para publicação na Biblioteca da Faculdade de Direito de Campos – UNIFLU. 2011.

6-     Danilo Marcondes . Iniciação à História da Filosofia – dos pré-socráticos a Wittgenstein. 2001, p. 43.

7-     José Eduardo Agualusa. O vendedor de passados. Editora. Gryphus. RJ. 2004.

8-     Ditos populares.


[1] Terreno, feudo a que os servos estavam adscritos. Definição oriunda do Dicionário Aurélio.

[2] http://pt.wikipedia.org/wiki/Verdade

[3] Objeto central da reflexão filosófica, fio condutor em relação ao qual, em última instância, se definem, se aproximam e divergem as escolas filosóficas. Definição oriunda do Dicionário Aurélio.

[5]  Marcondes, D. Iniciação à História da Filosofia – dos pré-socráticos a Wittgenstein. 2001, p. 43.

[6] Ibidem.

[7] PLATÃO apud MARCONDES, 2001 p. 48.

[8] Monteiro de Barros Jr, Evandro. A busca da verdade real nos processos civis (Brasil: 1988-2011). Monografia indicada para publicação na Biblioteca da Faculdade de Direito de Campos – UNIFLU. 2011.

[9] MARCONDES, D. Iniciação à História da Filosofia – dos pré-socráticos a Wittgenstein. 2001, p. 47.

[10] Ibidem, p. 52.

[11] Agualusa, José Eduardo. O vendedor de passados. P.75. Editora. Gryphus. RJ. 2004.

[12] West, Morris. A Estrada Sinuosa. Editora Record. 1957. P. 21.

[13] Ibidem, P.24 e 25.


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