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Campos dos Goytacazes, Sexta, 26 de Abril de 2024

Matéria com conteúdo de ação de conhecimento ou de ordem pública deve ser conhecida pelo julgador apesar da intempestividade dos embargos do devedor

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Por Luiz Cláudio Barreto Silva


A intempestividade dos embargos do devedor não é motivo para que o Julgador deixe de apreciar matérias com conteúdo de ação de conhecimento e de ordem pública. Em tais circunstâncias, as matérias de ordem pública devem ser apreciadas de ofício e as de conhecimento examinadas como ação autônoma (art. 486 e 267, § 3º do CPC).  Esse é o entendimento predominante em sede doutrinária e jurisprudencial.
 É certo que são numerosos os casos de extinção do processo de embargos por intempestividade em evidente alheamento à legislação federal e aos princípios da instrumentalidade das formas e da economia processual, conduzindo o executado ao socorro da ação autônoma do artigo 486 do Código de Processo Civil.
 Sobre o assunto, expressivos são os conceitos emitidos por Maria Helena Rau De Souza:
 “Assim, se houver fluído o trintídio legal sem a interposição de embargos, ou, acaso opostos, tenham sido extintos sem julgamento do mérito (v.g., irregularidade processual não sanada no prazo legal), seria admissível, posteriormente, a ação anulatória para desconstituição do crédito exequente? A resposta, parece-nos, há de ser afirmada, pela inexistência da res judicata”.[i]
 É também a lição de Humberto Theodoro Júnior comparando o decurso de prazo para os embargos com o do mandado de segurança e chamando a atenção para o fato de que nada impede o debate em ação autônoma:
 “A perda do prazo para opor os embargos é apenas um fenômeno interno do processo executivo. A preclusão que daí decorre produz efeito sobre o processo dentro do qual se deu a não utilização da faculdade de agir. Nunca fora dele, de modo a impedir o exercício de qualquer outra ação acerca do título obrigacional exequendo.
(…).
Dá-se com o devedor que não se vale dos embargos, ou deles não pode se valer o mesmo que ocorre com o interessado que não afora o MS no prazo decadencial de 120 dias (L.1533/51, art. 18). Extinto o direito de defender-se por via do writ, restará à parte o direito de ação a ser exercido pelas demais vias processuais, e nunca lhe será trancado, por aquela decadência, o exercício genérico do direito de ação.
Convém lembrar que os embargos à execução se apresentam como o único meio de questionar em juízo a pretensão do credor. Outros meios igualmente adequados para solucionar o conflito de interesses já existiam antes mesmo do processo executivo e continuam a existir durante a execução e até mesmo depois de extinta esta sem oposição dos embargos.
Está previsto no texto expresso da lei processual que “o credor ressarcirá ao devedor os danos que este sofreu, quando a sentença, passada em julgado, declarar inexistente, no todo ou em parte, a obrigação, que deu lugar à execução”.
“É evidente, pois, que a responsabilidade civil do exequente pode ser apurada em processo posterior ao encerramento da execução forçada. O que demonstra que, para o sistema de nosso direito processual positivo, não é vedada a legitimidade e, consequentemente, o processo desconhecimento acerca do título executivo mesmo após a extinção da execução forçada, com pagamento em favor do credor” (HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, ob. Cit., p. 472; HAROLD PABST, Natureza jurídica dos embargos do executado, SP, Ed. RT, 1986).
Em suma: “em razão de execução injusta e não embargada, ao executado está facultada a possibilidade de propor demanda cognitiva autônoma, visando à obtenção de provimento jurisdicional declaratório ou desconstutivo do título executivo” (PAULO HENRIQUE DOS SANTOS LUCON, Embargos à Execução, SP, Saraiva, 1996, n.º 107, p. 255 – 256). No mesmo sentido: ALCIDES DE MENDONÇA LIMA, “A revelia nos embargos do devedor”,  Rev. de processo, v. 33, p. 195; LIEBMAN, Embargos do Executado, 2ª Ed. SP, Saraiva, n.º 140, p.211).
Em outras palavras: “Não há uma obrigação do executado de oferecer embargos, mas apenas uma faculdade” (SANTOS LUCON, ob. cit., p. 257). Mesmo pagando o débito ajuizado, sem embargar, não estará o devedor impedido de promover ulteriormente ação ordinária de repetição do indébito (SATTA, L’escuzione forzata, 4ª Ed., Torino, Utet, 1963, n.º 168, p.232; COUTURE, Fundamentos del derecho procesal civil, Buenos Aires, 1974, n.º 310, p.475)”. [ii]
 No campo jurisprudencial a matéria já é por demais surrada, em especial no Superior Tribunal de Justiça, o que se extrai de precedentes da relatoria do Ministro Peçanha Martins, com a seguinte ementa:
“PROCESSO DE EXECUÇÃO. PRECLUSÃO ‘PRO JUDICATO’. COISA JULGADA MATERIAL INEXISTENTE. Inocorre preclusão, e portanto a validade e eficácia do título executivo extrajudicial podem ser objeto de posterior ação de conhecimento, quando na execução não forem opostos embargos do devedor, e igualmente quando tais embargos, embora opostos, não foram recebidos ou apreciados em seu mérito. Inexistência de coisa julgada material, e da imutabilidade dela decorrente”.[iii]
“Não se confundem os embargos do devedor, que visa a extinguir o processo de execução ou a desfazer a eficácia do título executivo, com a ação anulatória cujo escopo é o reconhecimento da inexistência da dívida fiscal.
Não sendo embargada a execução, inexiste sentença, não se podendo falar de coisa julgada capaz de impedir a propositura da ação anulatória do lançamento fiscal “. [iv]
 No entanto, em nome dos princípios da instrumentalidade das formas e da economia processual, e a despeito da intempestividade dos embargos, o entendimento converge para o processamento da ação de embargos como aquela do artigo 486 do Código de Processo Civil sem a necessidade de nova ação.  
Sobre o assunto, a lição de José Miguel Garcia Medina, Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier, enriquecida com precedente do Superior Tribunal de Justiça:
 “De acordo com o inc. I do art. 739, os embargos serão indeferidos “quando intempestivos”. Segundo pensamos, neste caso o juiz deverá ater-se ao conteúdo dos embargos, antes de, simplesmente indeferi-los liminarmente. Assim, (a) se os embargos intempestivos versarem matéria de ordem pública, que deve ser conhecida ex-officio pelo juiz da execução, a respeito da qual não se opere a preclusão, deverá o juiz conhecer de tal matéria, a despeito da intempestividade dos embargos; (b) se os embargos, embora apresentados intempestivamente, veicularem conteúdo de ação de conhecimento, deverá o juiz indeferir o seu processamento como embargos, admitindo tal demanda, contudo, como ação autônoma.
Nesse sentido decidiu, com acerto, o Superior Tribunal de Justiça, em acórdão relatado pelo Min. Teori Albino Zavascki:
“Embargos à execução, visando ao reconhecimento da ilegitimidade do débito fiscal em execução, têm natureza de ação cognitiva, semelhante à da ação anulatória autônoma. Assim, a rigor, a sua intempestividade não acarreta necessariamente a extinção do processo. Interpretação sistemática e teleológica do art. 739, I, do CPC, permite o entendimento de que a rejeição dos embargos intempestivos não afasta a viabilidade de seu recebimento e processamento como ação autônoma, ainda que sem a eficácia de suspender a execução. Esse entendimento é compatível com o princípio da instrumentalidade das formas e da economia processual, já que evita a propositura de outra ação, com idênticas partes, causa de pedir e pedido da anterior, só mudando o nome (de embargos para anulatória)”.     [v]
 Por conseguinte, e a despeito dos entendimentos em sentido diverso, nada impede que, intempestiva a ação de embargos, seja ela conhecida como a ação do artigo 486 do Código de Processo Civil em homenagem aos princípios da instrumentalidade das formas e da economia processual, dispensando-se a obrigatoriedade de propositura de nova ação.
 *   O autor é Advogado, Escritor, Pós-Graduado em Direito do Trabalho e Legislação Social, Presidente da Comissão de Direito e Tecnologia da 12ª. Subseção da OAB/RJ de Campos dos Goytacazes, ex-diretor Geral da Escola Superior de Advocacia da 12ª. Subseção da OAB de Campos dos Goytacazes e ex-Professor Universitário.
Notas e referências bibliográficas
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[i]  FREITAS, Vladimir Passos de. (Coord.) Execução Fiscal – Doutrina e Jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 520, n. 4.1.
 [ii] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Tutela Cautelar e Antecipatória em Matéria Tributária. Porto Alegre. In: Revista de Estudos Tributários,  n.. 2, p. 24–25, jul./ago. 1998. 
 [iii] STJ. Agravo regimental no agravo de instrumento n. 8089-SP. Relator: Min. Athos Carneiro. In: DJU de 22.05.91, p. 6.537. 
 [iv] STJ. REsp. 9.401-0-SP. Rel: Min. Peçanha Martins. In: DJU de 25.10.1993, p. 22.469.  
 [v] MEDINA, José Miguel Garcia, WAMBIER, Luiz Rodrigues e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim In: Breves Comentários à Nova Sistemática Processual Civil, vol. 3, RT, 2007).
 

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