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EMPREGADO DOMÉSTICO E A MULTA PREVISTA NO ARTIGO 477, § 8º, DA CLT,: APLICÁVEL OU NÃO?

31/01/2019
Por Christiano A. Fagundes e Léa Cristina Paiva


*Christiano Abelardo Fagundes Freitas

**Léa Cristina Barboza da Silva Paiva

 

                        Segundo o art. 1º, da Lei Complementar n. 150/2015, é empregado doméstico “aquele que presta serviços de forma contínua, subordinada, onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, por mais de 2 (dois) dias por semana”. Vale registrar que, de acordo com o parágrafo único do mencionado artigo, “É vedada a contratação de menor de 18 (dezoito) anos para desempenho de trabalho doméstico, de acordo com a Convenção n. 182, de 1999, da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e com o Decreto n. 6.481, de 12 de junho de 2008.”

Observamos que o novo diploma legal, ao conceituar empregado doméstico, continuou perpetrando a atecnia legislativa constante na Lei n. 5.859/1972, ao manter o uso da expressão “no” âmbito residencial, pois, na realidade, conforme já registrado, em outras obras de nossa autoria, é empregado doméstico tanto aquele que presta serviços “no” âmbito residencial como também aquele que labora “para” o âmbito da residência, pois o motorista, por exemplo, não trabalha no interior da residência e pode ser um doméstico, quando trabalha para família ou para pessoa física, desde que o seu trabalho seja tomado de forma contínua e sem fins lucrativos.

                    Assim, na obra de nossa autoria, intitulada OS REFLEXOS DA REFORMA TRABALHISTA PARA O EMPREGADO DOMÉSTICO,  elaboramos o seguinte conceito:

 “Empregado doméstico é a pessoa física, maior de 18 anos de idade, que trabalha de forma pessoal, subordinada e contínua, para pessoa ou família, que não explore atividade lucrativa, “no” ou “para” o âmbito residencial dessas, mediante salário e por mais de dois dias na semana.” (Christiano Abelardo Fagundes Freitas e Léa Cristina Barboza da Silva Paiva, in OS REFLEXOS DA REFORMA TRABALHISTA PARA O EMPREGADO DOMÉSTICO, LTr, 2019)

                      Feito o registro conceitual acima, passaremos à análise da aplicabilidade ou não do artigo 477, §8º, da CLT, ao doméstico. A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), em seu art. 477, § 6º, registra o prazo para o empregador pagar as verbas rescisórias ao empregado. Caso esse prazo não seja respeitado, a sanção está prevista no art. 477, § 8º, da CLT, qual seja: o empregador tem de pagar ao empregado uma multa correspondente ao valor de um salário deste.

“Atualmente, com o advento da LC n. 150/2015, comungamos o entendimento de que o empregado doméstico possui direito ao recebimento da multa prevista no art. 477, § 8º, da CLT, quando desrespeitado o prazo constante do art. 477, § 6º, uma vez que o art. 19, da supracitada LC, admite a aplicação subsidiária da CLT. Não vislumbramos incompatibilidade entre o disposto nos dispositivos legais acima. Se o empregador tem prazo para quitar as verbas resilitórias e não o faz, deve pagar a multa, pois entendimento contrário beneficiaria o empregador doméstico que descumpre a lei, o que não pode ter a chancela do ordenamento jurídico.” (Christiano Abelardo Fagundes Freitas e Léa Cristina Barboza da Silva Paiva, in OS REFLEXOS DA REFORMA TRABALHISTA PARA O EMPREGADO DOMÉSTICO, LTr, 2019)

                          O ministro do TST, professor Mauricio Godinho Delgado, também, posiciona-se pela aplicabilidade do art. 477, § 8º, da CLT, ao doméstico. Sendo assim, discordamos da boa doutrina da professora e desembargadora do TRT da 1ª Região, Vólia Bomfim Cassar, in verbis:

“Assim, não foram estendidos ao doméstico, por exemplo: a penalidade prevista no art. 477, § 8º, da CLT, por se tratar de penalidade (...)”

                            Na jurisprudência, há acirrada divergência neste particular. Negam a multa do art. 477, § 8º, da CLT, ao doméstico, as ementas a seguir, respectivamente, do TRT da 18ª, da 19ª e da 4ª Regiões, verbis:

“EMPREGADO DOMÉSTICO. MULTA DO ART. 477 DA CLT. INAPLICABILIDADE. A Emenda Constitucional n. 72/2013, que alterou o parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal, estendeu aos empregados domésticos os direitos já concedidos aos trabalhadores urbanos e rurais, mas não os contemplou com a aplicação da multa prevista no art. 477 da CLT. (TRT18, RO-0011880-42.2013.5.18.0281, Rel. Iara Teixeira Rios, 3ª Turma, 18.9.2014. (TRT18, RO — 0010196-33.2015.5.18.0016, Rel. Israel Brasil Adourian, 3ª Turma, Data de publicação: 19.9.2015).”

“ [...] 2. MULTA DO ART. 477, § 8º DA CLT. DOMÉSTICA. INDEVIDA. A lei ainda não equiparou o empregado doméstico ao empregado comum, para fins de aplicação das normas celetistas. Dessarte, não detém aquele empregado, mesmo na vigência da atual Carta Magna, direito à multa do art. 477 da CLT. (Recurso Ordinário (Sumaríssimo) n. 00523.2009.009.19.00-6, TRT da 19ª Região/AL, Rel. Antônio Catão. j. 14.7.2009, unânime, DJe 23.7.2009).”

 “MULTA DO ART. 477, § 8º, DA CLT. Indevida ao empregado doméstico a multa de mora pelo pagamento em atraso das verbas decorrentes da extinção do contrato de trabalho. Inteligência do disposto no art. 7º, “a”, da CLT. (RO n. 0000039-96.2011.5.04.0382, 2ª Turma do TRT da 4ª Região/RS, Rel. Alexandre Corrêa da Cruz. j. 25.08.2011, unânime).”

Abaixo, duas ementas, a primeira do TRT da 1ª Região (Rio de Janeiro) e a segunda do TRT da 8ª Região, posicionando pelo direito dos empregados domésticos  à multa prevista no artigo 477, § 8º, da CLT, ipsis litteris:

“EMPREGADO DOMÉSTICO. MULTA DO ART. 477 DA CLT. APLICAÇÃO. POSSIBILIDADE. Se a Lei Maior assegurou ao empregado doméstico uma série de direitos trabalhistas, por certo devem ser aplicados ao empregador os dispositivos infraconstitucionais disciplinadores de pagamento, prazo e multas referentes às respectivas obrigações legais, sob pena de se deixar, exclusivamente, ao talante do devedor o tempo e a forma de adimplemento da obrigação. Apelo patronal improvido. (Proc.:00015956220125010001. Des.: Rosana Salim Villela Travesedo. 10ª Turma. TRT da 1ª Região. Publicação: 11.6.2014).”

“I — RELAÇÃO DE EMPREGO DOMÉSTICO — ART. 1º, DA LEI N. 5859/72 — DEPOIMENTOS DE PARTES E TESTEMUNHAS — CONTINUIDADE — SERVIÇO ESSENCIAL E CONSTANTE — CONFIGURAÇÃO — DISPENSA SEM JUSTA CAUSA - AUSÊNCIA DE PROVA DO ABANDONO DE EMPREGO OU DO PEDIDO DE DEMISSÃO — 1 — Considerando que ficou provado nos autos pelo cotejo entre os depoimentos das partes e testemunhas que a reclamante laborava como cuidadora da mãe da reclamada, em jornada de 48 dias de labor por 48 dias de repouso, implicando, inclusive, duas semanas por mês com quatro dias de trabalho em atividade constante e necessária, tem-se que a reclamante era empregada doméstica, nos moldes do art. 1º, da Lei n. 5.859/72, dada a presença da continuidade, configurando, pois, a relação de emprego doméstico. 2 — Tendo em vista a falta de provas convincentes acerca do motivo da dispensa, ônus que cabia à reclamada, reputa-se que a reclamante foi dispensada sem justa causa, mantendo-se o deferimento do aviso prévio.

II- INSCRIÇÃO DO EMPREGADO NO REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL — OBRIGAÇÃO DO EMPREGADOR DOMÉSTICO — ART. 2º C/C § 4º, I, DO ART. 3º E ART. 4º, DA INSTRUÇÃO NORMATIVA N. 971/2009, DA RECEITA FEDERAL — É do empregador, inclusive doméstico, a obrigação de inscrever o empregado como segurado do Regime Geral da Previdência Social, nos termos do art. 2º c/c § 4º, I, do art. 3º e art. 4º, da IN n. 971/2009, da Receita Federal.

III — MULTA DO ART. 477 DA CLT — MORA CONFIGURADA — Levando em conta a ausência de comprovantes de pagamento das verbas rescisórias, é devida a multa do art. 477, da CLT. (TRT 08ª R. — RO 0001554- 82.2012.5.08.0007 — Rel. Des. Fed. Georgenor de Sousa Franco Filho — DJe 17.5.2013 — p. 78).

Pelo fio do exposto, depreende-se que ainda persiste acirrada  divergência, quanto à aplicabilidade da multa prevista no artigo 477, §8º, da CLT, à categoria dos empregados domésticos.

REFERÊNCIAS

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2016.

CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho: de acordo com a reforma trabalhista. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2017.

________. Direito do Trabalho. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015.

DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil. São Paulo: LTr, 2017.

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 15. ed. São Paulo: LTr, 2016.

 

FREITAS, Christiano Abelardo Fagundes; PAIVA, Léa Cristina Barboza da Silva. Os reflexos da Reforma Trabalhista para o empregado doméstico.  São Paulo: LTr, 2019.

__________.Manual dos Direitos Trabalhistas do Empregado e do Empregador Doméstico. São Paulo: LTr, 2014.

MANUS, Pedro Paulo Teixeira. Direito do Trabalho. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2015.

MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

________. Comentários à CLT. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

MIESSA, Élisson; CORREIA, Henrique; MIZIARA, Raphael; LENZA, Breno. CLT comparada com a reforma trabalhista. Salvador: Juspodivm, 2017.

MOURA, Marcelo. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2014.

ROMAR, Carla Teresa Martins. Direito do Trabalho Esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2018.

SARAIVA, Renato; SOUTO, Rafael Tonassi. Direito do Trabalho. 18. ed. Salvador: Juspodivm, 2016.  

*Christiano Abelardo Fagundes Freitas é advogado, professor universitário, autor de diversas obras publicadas pela LTr, vice-presidente da 12ª Subseção da OAB/Rio de Janeiro, membro da Academia Campista de Letras.

**Léa Cristina Barboza da Silva Paiva  é advogada, professora universitária, autora de diversas obras publicadas pela LTr, secretária-geral da 12ª Subseção da OAB/Rio de Janeiro.


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